sábado, 15 de dezembro de 2007

Continuando com Jorge de Sena - Ode ao Surrealismo por Conta Alheia

Um comentário, a um novo blog da nossa praça, todos sabemos que não gosta deste poeta então lá vai mais um poema.

Que levas ao colo,
embrulhado em sarrafaçais transcritos mau olhado
abomináveis trutas e outros preconceitos?
Um sacerdote? Um gato? A timidez?

Que transportas silencioso, imóvel, como dormindo, no xaile
pespontado a verde com que limpas o suor, o sêmen, as fezes,
tudo o que abandonas, ofereces, vendes, expulsas, injetas,
convocas, reprovas, descreves, etc.?
Embalas e não respondes.
Temes a polícia, os tapetes, o capacho, o telefone, as campainhas
de porta, as pessoas paradas pelas esquinas reparando
em por de baixo das roupas das outras que passam?
Temes as palavras?
Temes que saiam versos, lágrimas, casamentos,
satisfações apressadas em campos de arrabalde?
Temes os partidos, os artigos de fundo, os banqueiros, os capelistas,
a inflação, as úlceras do estômago ou sociais?
Que transportas ao colo
em silêncio e num xaile?
É a vida? Anúncios luminosos? Casas econômicas? O mar? Irmãos?
Reivindicações? Um livro?
Embalas e não respondes.
É a vida? A noite que cai? As luzes distantes? Um gesto? Um olhar?
Um quadro? Uma poesia lírica?
(Oportunamente interrompida pela chegada de uma pessoa conhecida)


retirado de http://www.astormentas.com/din/poema.asp?key=8395&titulo=Ode+ao+Surrealismo+por+Conta+Alheia

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